Problematização
Conta-se que Pablo Picasso uma vez pegou um trem
e sentou-se ao lado de um homem. O passageiro logo reconheceu o
grande artista e disse: "Eu entendo que você está
tentando fazer algo único e diferente, mas eu realmente não
gosto do seu trabalho". Picasso respondeu: "É mesmo?
Do que você gosta?". O passageiro replicou: "Eu
gosto de coisas que se parecem com a realidade. Você sabe,
que mostram as coisas como realmente são, como esta foto
da minha esposa. Mostra exatamente como ela é."
Picasso olhou para a foto cuidadosamente e replicou:
"Nossa, ela é tão pequena e achatada!”

Pablo Picasso, La Muse, 1935
O diálogo no trem mostra uma sutil, mas
marcante, diferença entre Picasso e o passageiro, e a forma
com que cada um enxergava a realidade. O homem achava que as obras
de Picasso não refletiam a realidade. Picasso, por sua vez,
mostrou que aquilo que o passageiro enxergava como realidade era
apenas uma representação, e que podemos criar quantas
outras quisermos.
Baseado nessa breve introdução, você
seria capaz de dizer o que é criatividade? (Se você
não conhece nenhuma definição de criatividade,
crie uma!)
Ação
do conceito
Pablo Picasso foi um dos maiores e mais influentes
pintores de todos os tempos. Seu trabalho é uma metamorfose
contínua de estilos, sendo mais conhecido o “cubismo”,
em que a idéia é visualizar objetos por múltiplos
referenciais ao mesmo tempo, levando a formas e imagens jamais antes
concebidas.
O escritor Octavio Paz, prêmio Nobel de literatura,
escreveu sobre Picasso: “A criatividade bem-humorada e sem
limites de Picasso se alimenta basicamente de temas relativamente
convencionais (natureza-morta, nu, paisagens etc.) e só existe
em função das reações de uma curiosidade
sempre alerta diante dos objetos confrontados cotidianamente.”
A marca do trabalho daqueles considerados “gênios
da humanidade”, como Picasso, em geral está ligada
à capacidade de criar, de oferecer algo novo e inusitado,
seja na arte, na ciência, na filosofia ou em qualquer outra
área de atuação. No entanto as criações
desses grandes gênios eram muito mais que novidades. Eram
coisas que, além de novas, tinham valor por serem úteis,
ou belas, ou interessantes, na maior amplitude da palavra. Eram
criativas.
Neste ponto podemos separar as idéias meramente
novas das idéias verdadeiramente criativas, isto é,
novas e algo mais. Hoje em dia há grande debate
sobre certas obras de arte moderna, como instalações
onde artistas controversos como Damien Hirst expõem montes
de fezes ou pedaços de animais retalhados em museus de grande
circulação. Apesar de serem idéias novas e
originais, muitas pessoas não reconhecem nelas o valor cultural
(ou o “algo mais” a que nos referimos) necessário
para que sejam consideradas criativas.
Você seria capaz de dar três exemplos
de idéias novas e três exemplos de idéias verdadeiramente
criativas?
Formalização
do conceito
Aqui podemos usar as idéias da seção
anterior para tentar entender como a criatividade é definida.
A definição de criatividade a que chegamos na seção
anterior (idéias novas, originais, e com algum valor cultural)
é atribuída a Sternberg and Lubert (1995), e está
focada no produto.
No entanto ela pode também ser focada no
processo, como propõe Weisberg (1986). Segundo ele,
a criatividade pode ser definida como o uso inovador de ferramentas
para a solução de problemas.
Então podemos chegar à seguinte conclusão:
Em primeiro lugar, “criativo” se refere
a produtos originais e com algum valor (cultural e subjetivo), como
na frase “O avião foi uma invenção criativa”.
“Criativo” também se refere à pessoa que
realiza o trabalho, como em “Picasso era criativo”.
Assim, “criatividade” se refere tanto à capacidade
de realizar tais trabalhos (ou processos), como em “Como
podemos aproveitar a criatividade de nossos funcionários?”
como à atividade de gerar tais produtos, como em
“Criatividade exige trabalho duro”.
Assim, uma definição formal de criatividade
que reúne todas as características citadas pode ser
assim colocada:
“A tendência de gerar ou reconhecer
idéias, alternativas, ou possibilidades úteis na resolução
de problemas, comunicação com outros, e nosso próprio
entretenimento ou de outras pessoas.”
Para ser criativo você deve ser capaz de
ver as coisas de formas novas, ou de uma perspectiva diferente.
Entre outras coisas, você deve ser capaz de gerar novas possibilidades
ou novas alternativas. Testes de criatividade medem não apenas
o número de alternativas que as pessoas podem gerar, mas
a originalidade de tais alternativas. A habilidade de gerar alternativas
ou de ver coisas de forma única não ocorre por acaso;
ela está ligada a outras qualidades de pensamento mais fundamentais,
tais como flexibilidade, tolerância à ambigüidade
ou à imprevisibilidade, e o prazer por coisas ainda desconhecidas.
Mais importante de tudo, a criatividade deve ser
treinada para que se torne corriqueira em nosso dia a dia.
Daí a importância do estímulo à criatividade,
em especial no processo educacional infantil.
Aplicação
do conceito
Atividades Sobre a Criatividade
1) O Dr. Gunther von Hagens começou, há
alguns anos, a expor corpos dissecados de pessoas. O Dr. von Hagens
é um professor de medicina da Universidade de Heidelberg
que aperfeiçoou uma técnica de injeção
de plástico em tecido humano. Este é um uso inovador
de ferramentas para solucionar o problema da decomposição
a partir de métodos antigos de preservação
do tecido humano. Discuta: O produto final do trabalho do Dr. von
Hagens é criativo? Por quê?
2) O texto abaixo foi retirado do livro “A
Cor dos Meus Sonhos”, e é um trecho de uma conversa
entre o pintor Joan Miró e o professor de literatura Georges
Raillard a respeito da obra O Campo Arado, que Miró pintou
baseado na fazenda de sua família:

Joan Miró, O Campo Arado, 1923-24.
Raillard: (...) No primeiro plano de O
Campo Arado, um diabo sai de uma lata...
Miró: Não é um diabo.
Não parti da idéia do diabo, mas de uma lagartixa.
Para mim é uma lagartixa.
Raillard: Uma lagartixa com um chapéu
pontiagudo?
Miró: Pus esse chapéu nela.
Raillard: Olhando para isso, que até
agora eu tomava por um diabo, eu o relacionava com uma figura da
segunda [obra] Constelações. (...) Queria
lhe perguntar o que significa esse diabo. Mítico? Simbólico?
Miró: Você diz que é
um diabo. Para mim é uma lagartixa em que pus um chapéu
na cabeça. Não são diabos, são animais.
Raillard: Agora, junto da “lagartixa”
tem um caracol maior do que o coelho a seu lado.
Miró: E uma galinha. Em forma de ovo. O ovo se
rompe e o pintinho sai. A galinha tem forma de ovo.
Você seria capaz de relacionar esse trecho
com o diálogo entre Picasso e o passageiro do trem, reproduzido
na seção Problematização? Qual
o papel da criatividade nas posições de Miró
e Picasso, e na dificuldade de seus interlocutores em entender seu
trabalho?
3) No Fórum de Discussão há
perguntas relacionadas à criatividade. Participe procurando
basear suas opiniões no que você aprendeu no mini-curso.
Relacionamento
do conceito
A criatividade está presente em todas as
pessoas, e deve ser estimulada em todos os momentos da vida. No
processo de ensino, o estímulo à criatividade deve
sempre ser a tônica, pois permite transpor o alvo do ensino.
Em vez de demandar que o aluno aprenda a utilizar uma série
de ferramentas para a resolução de problemas, o estímulo
à criatividade torna o aluno capaz de construir suas
próprias ferramentas. E, dessa forma, ele deixa de ser
um agente passivo para se tornar o agente ativo no processo educacional,
estando lado a lado com o educador na tarefa de criar conhecimento,
em vez de simplesmente absorvê-lo.
“Ninguém pode conceber tão bem uma coisa
e fazê-la sua, quando a aprende de um outro, em vez de a inventar
ele próprio.” – René Descartes
Referências
Sternberg, R. J. & Lubart, T. I. (1995). Defying the crowd:
Cultivating creativity in a culture of conformity. New York:
Free Press.
Weisberg, R. W. (1986). Creativity: Genius and other myths.
New York: Freeman.
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